Margareth Dalcolmo prega 'cultura do cuidado como valor humano e democrático'
Médica e cientista participou das celebrações dos 98 anos da UFMG; reitora Sandra Goulart Almeida ressaltou compromisso da Universidade com processo cíclico de formação e renovação

Seis milhões de brasileiros já passaram dos 80 anos de idade – o número de idosos cresce rapidamente, e as taxas de fecundidade são de apenas 1,7 entre os mais pobres e 1,4 nas classes médias, comparáveis às de países desenvolvidos da Europa. “O que fazer? Quem vai cuidar de nós?”, indagou, em conferência na UFMG, a médica pneumologista, professora e cientista Margareth Dalcolmo. A resposta, segundo ela, inclui preparo profissional, colaboração internacional e “a cultura do cuidado como valor humano e democrático”.
Margareth Dalcolmo foi a convidada especial da solenidade de comemoração do aniversário de 98 anos da UFMG, realizada ontem (segunda, 8 de setembro) no auditório da Reitoria, no campus Pampulha. Ela falou sobre as preocupações provocadas pelo envelhecimento da população e as relações entre a saúde humana, a saúde animal e a saúde ambiental. A conferência abriu a série Universidade e democracia, que começa a celebrar o centenário da Universidade.
Antes da conferência, assistida por autoridades de governo, parlamentares, representantes da Justiça, reitores de outras gestões, servidores e estudantes da UFMG, a reitora Sandra Goulart Almeida destacou a importância de celebrar, a cada aniversário, “o amor a essa instituição que tem a liberdade e a democracia em sua gênese”. Ela afirmou que, em quase um século de história, a Universidade “nunca escolheu ficar do lado fácil ou cômodo, e nossos reitores nunca se furtaram a defender a instituição”. Na mesa da solenidade, ela foi acompanhada pelos reitores Francisco César de Sá Barreto (1998-2002), Ana Lúcia Gazzola (2002-2006), Ronaldo Pena (2006-2010) e Clélio Campolina (2010-2014), além do decano do Conselho Universitário, professor João Alberto de Almeida.
Quando apresentou a conferencista e sua rica trajetória, Sandra destacou a lembrança do “alento que ela nos deu durante a pandemia da covid-19”.

Prevenção exige novas expertises
A abordagem de Margareth Dalcolmo – que começou sua fala com homenagens a nomes ligados à UFMG com quem ela conviveu ou que marcaram de várias formas sua vida – teve como referência questões que ela pretende levar à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30, que será realizada em novembro, em Belém. “Vamos tratar das relações da saúde com o meio ambiente e enfatizar que é preciso haver consciência de que precisamos cuidar de nossos velhos”, ela disse. Margareth mostrou uma linha do tempo da emergência climática e salientou que há muitos anos “a influência humana sobre o clima fica clara, desnuda, eu diria mesmo obscena”.
As altas temperaturas, segundo a cientista vinculada à Fiocruz, favorecem o aumento das viroses, e doenças antes tipicamente tropicais já avançam sobre zonas temperadas. Elas criam risco para a saúde cardiovascular e afetam a segurança alimentar. “A prevenção exige mais expertises devido à imprevisibilidade epidemiológica. Hoje já falamos do “tempo da pandemia, como se fosse a gripe espanhola, de um século atrás, mas é o que literalmente estamos ainda vivendo hoje”, disse a professora.
Margareth Dalcolmo lembrou que a expectativa de vida no Brasil cresceu de 47 anos, em 1945, para 78, no caso das mulheres, e 76,6, para os homens, em 2024, e isso se deve às vacinas, a alguma melhora no saneamento básico e a uma redução significativa da mortalidade infantil. Para enfrentar a drástica mudança demográfica, ela pregou a formação de “profissionais de medicina que sejam capazes de entender o cenário com o qual nós deveremos lidar”. Ela destacou que, em 15 anos, 40% da população brasileira terá mais de 60 anos, e que, em 2040 a população começará a declinar.
A cientista reconheceu a criação e o aperfeiçoamento, nas últimas décadas, de marcos legais e políticas de cuidado, a melhora da estrutura do Sistema Único de Saúde, o SUS, os efeitos positivos de benefícios como o BPC, mas afirmou que ainda há grande desigualdade e que "envelhecer pobre é o que pode haver de pior no que diz respeito ao desvalimento social”. Margareth defendeu que a educação de base contribua para prover consciência do direito à saúde e que as crianças passem a ser “educadas de maneira adequada para cuidar de seus maiores”.

Ao citar estudo que calculou 48% de chances de que uma nova epidemia mate um milhão de pessoas nos próximos dez anos, ao redor do mundo, Margareth Dalcolmo ressaltou a necessidade de investir mais em saúde no Brasil, com foco nos recursos humanos, na autonomia de fabricação de máscaras e respiradores, entre outros insumos e equipamentos, no aperfeiçoamento da vigilância genômica – a propósito, ela revelou que nesse quesito a Fiocruz tem feito esforços bem-sucedidos, sobretudo no Norte do país – e em “um voluntariado de nova qualidade”.
Voltando a falar dos idosos, a médica pneumologista alertou que as mulheres pretas de mais idade são as que mais morrem com as ondas de calor. Margareth lamentou a "pobre consciência social de uma realidade que está gritando para todos nós: uma população que vai precisar muito de nós e daqueles que estamos tentando formar nas universidades brasileiras”. Ela insistiu que, rapidamente, os médicos e outros profissionais deverão adquirir novas competências técnicas para dar respostas às novas exigências. E citou o advogado, filósofo e orador romano Cícero (106 a.C – 43 a.C.): “Não há nada errado com o envelhecimento, mas, sim, com nossa atitude em relação a ele".

Brasil livre e universidade autônoma
Ao lembrar que a UFMG foi uma das primeiras universidades brasileiras a ser fundadas, no início do século 20, Sandra Goulart disse que “a história da UFMG é a história da consolidação do ensino superior no Brasil e em Minas Gerais, que deu origem a uma das mais importantes instituições de ensino, pesquisa e extensão do Brasil”.
“Qualquer projeto de nação soberana está condicionado à existência de universidades fortes, autônomas e geradoras de conhecimento de ponta, e os inconfidentes mineiros, atentos às experiências do mundo à época [a segunda metade do século 18], já tinham clareza dessa necessidade. A inspiração, em ambos os casos, era promover a convergência e a justaposição de projetos simbióticos: o de um Brasil livre, independente e soberano, de um Estado que preza o conhecimento científico, de uma cidade acolhedora do saber e o de uma universidade autônoma”, afirmou a reitora.
A celebração de mais um aniversário, prosseguiu Sandra Goulart, é também a da renovação e inovação constantes que fazem parte do ethos da UFMG, que “vivenciamos a cada início de semestre e a cada nova geração de docentes, técnicos e estudantes que ingressam na Universidade”.
Ao referir-se ao ciclo de conferências aberto na noite de ontem, com o tema Universidade e democracia, e à exposição UFMG centenária: memoráveis, montada no saguão da Reitoria como homenagem a 50 personalidades da história da UFMG, Sandra Goulart exaltou os valores da UFMG, os ideais democráticos e republicanos, "a liberdade da qual depende a democracia – não a liberdade individualista e autorreferenciada que assola hoje a sociedade, mas aquela que vem das demandas coletivas, como condição para o fazer democrático – e a soberania, atributo inalienável para qualquer nação que se quer independente e próspera”.
Compromisso, resiliência e rebeldia
A reitora salientou que ainda há que se enfrentar um cenário geopolítico global desafiador, marcado pelo desprezo pela vida e pelo saber, pela violência contra os povos invisibilizados, pela ameaça ao meio ambiente e pelos ataques à ciência, às universidades e à democracia. “É desalentador constatar que ainda lidamos as consequências da desfaçatez dos que, em um passado recente, desferiram ataque simbólico e material contra nossas instituições públicas, atingidas de forma implacável. Sabemos que não há país autônomo e soberano sem universidades consolidadas como bem público e social. Temos hoje um governo que acredita nas universidades, que nos chama a contribuir para a construção de um país mais justo e mais equânime e que faz o possível para reverter o quadro orçamentário dramático que lhe foi legado, mas que enfrenta quadro complexo e desafiador”. Nesse momento, Sandra Goulart citou versos da canção Sobre o tempo, de John Ulhoa, cantada pela banda Pato Fu, da compositora, cantora e ex-aluna Fernanda Takai, presente à cerimônia no campus Pampulha e uma das personalidades indicadas como "memoráveis": “Tempo, tempo, mano velho/ Falta um tanto ainda, eu sei/ Pra você correr macio”.
Ao completar seus 98 anos, continuou a reitora, a UFMG “segue esperançosa e comprometida com o projeto de um país soberano, mais equânime, democrático e que reconhece a importância do conhecimento e da ciência”. Ela afirmou que o momento não é somente de celebração da história e da memória da Universidade: “Comemoramos 98 anos de muita dedicação, compromisso, resiliência e também rebeldia, como cabe a uma instituição verdadeiramente mineira, que tem na liberdade e na democracia o mote de sua gênese".

Memoráveis
Após a cerimônia, o público foi convidado a visitar a exposição UFMG centenária: memoráveis, que reúne, no saguão da Reitoria, 50 fotos de personalidades que, por diferentes razões, marcaram a Universidade desde seus primeiros anos. Quatro dos “memoráveis” – o ex-deputado federal e ex-ministro dos Direitos Humanos Nilmário Miranda, a professora Nilma Lino Gomes, o deputado federal Patrus Ananias e a cantora e compositora Fernanda Takai – participaram da cerimônia, visitaram a exposição e fizeram registros fotográficos junto aos seus respectivos banners.

Fernanda Takai esteve na exposição pela primeira vez, mas já tinha recebido notícias da homenagem. “Um amigo da minha filha [Nina Takai] que estuda na Belas Artes viu [o banner] e enviou uma foto. Outras pessoas também comentaram”, disse a artista, que é formada em Comunicação Social. Ela se recorda que no mesmo auditório, em 2002, recebeu a medalha de honra como ex-aluna de destaque: “Minha filha estava na barriga. E agora ela está aqui, estudando na mesma universidade. Isso tem um valor simbólico muito forte".
A professora emérita Nilma Lino Gomes, da Faculdade de Educação, já conhecia a exposição e até tirou fotos ao lado da mãe e do marido. Ontem, ao rever a homenagem, se disse muito honrada. “Voltar à minha casa [ela já se aposentou] de formação acadêmica e ver meu retrato entre os primeiros homenageados da UFMG centenária é uma grande honra e grande responsabilidade”, disse a ex-ministra da Igualdade Racial do governo Dilma Rousseff.

O deputado federal Patrus Ananias, que é graduado em Direito pela UFMG, disse que a homenagem reforça o seu compromisso com a instituição. "Nosso mandato como deputado federal tem contribuído com emendas para que a Universidade continue cumprindo seu extraordinário papel na cultura, nas ciências e no acolhimento da juventude em busca de novos horizontes. Essa homenagem fez muito bem ao meu coração”, destacou o ex-prefeito de Belo Horizonte.
A visita à exposição foi embalada por uma apresentação de clássicos da música popular brasileira feita por integrantes da Orquestra Sinfônica da Escola de Música, todos servidores técnico-administrativos da Unidade. O concerto reuniu Pedro Parreiras (fagote), Walter Junior (clarinete), Eliseu Barros (violão), Elias Barros (violino), Valdir Claudino (contrabaixo), Priscila Viana (trompa) e Gustavo Trindade (trompa).
UFMG centenária: memoráveis foi concebida pelos professores Carlos Mendonça, Fernando Mencarelli, Dawisson Lopes e Fabrício Fernandino, que assina o projeto expográfico.

A TV UFMG também acompanhou a cerimônia de celebração dos 98 anos. Assista à reportagem:
