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UFMG concede, na segunda, título de Doutora Honoris Causa à escritora Conceição Evaristo

Uma das autoras mais influentes do movimento pós-modernista brasileiro, ela publicou poesias, romances e contos e atuou como pesquisadora na área de literatura comparada

Conceição Evaristo receberá o título na próxima segunda-feira, 29
Conceição Evaristo: a literatura me escolheuFoto: Raphaella Dias | UFMG

A escritora e ativista da cultura negra Conceição Evaristo receberá, nesta segunda-feira, dia 29, o título de Doutora Honoris Causa da UFMG. A solenidade terá início às 19h no auditório da Reitoria, no campus Pampulha. A iniciativa da homenagem partiu da Congregação da Faculdade de Letras (Fale) da UFMG.

Em depoimento em vídeo enviado ao Portal UFMG, Conceição Evaristo falou da alegria e da gratidão por receber o título. “É um momento em que o passado e o presente se confluem, porque eu me vejo menina, eu me vejo jovem, eu me vejo com todos os sonhos que eu tive em Belo Horizonte, de onde eu tive que sair para poder fazer a minha carreira profissional. Agradeço à vida e tenho certeza de que a literatura me escolheu, assim como a UFMG está me escolhendo agora para me conferir esse título”, celebrou.

A reitora Sandra Regina Goulart Almeida, que vai presidir a cerimônia de outorga do título, afirma que a homenagem a Conceição Evaristo carrega várias camadas de sentido. “É mulher, negra, feminista, ativista e escritora que tem ajudado a ditar os rumos da literatura brasileira contemporânea. Conceição também é mineira, belo-horizontina e tem uma ligação muito forte com a UFMG. São inúmeros os atributos que justificam esse título”, resume a reitora, que é professora da Faculdade de Letras e especialista em literatura comparada – a escrita feminina e a crítica literária feminista figuram entre os seus temas de pesquisa.

Obras, denúncia e sensibilidade
Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em 1946, em Belo Horizonte. De origem humilde, cresceu na periferia e teve sua mãe como principal incentivadora do hábito da leitura. Mudou-se para o Rio de Janeiro, na década de 1970, onde se graduou em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e trabalhou como professora da rede pública de ensino da capital fluminense.

A escritora é mestre em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com a dissertação Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade, e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense, com a tese Poemas malungos, cânticos irmãos. Nesse último trabalho, analisou as obras poéticas dos autores afro-brasileiros Nei Lopes e Edimilson de Almeida Pereira, em confronto com a obra do angolano Agostinho Neto.

Ao longo de toda a sua vida, Conceição participou ativamente dos movimentos de valorização da cultura negra no Brasil. A autora estreou na literatura em 1990, quando passou a publicar seus contos e poemas na série Cadernos negros. Escritora versátil, destacou-se por cultivar a poesia, a ficção e o ensaio, tendo obras publicadas na Alemanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos.

Ponciá Vivêncio foi selecionado para o vestibular da UFMG
Obra foi selecionada para o vestibular da UFMG em 2008 e 2009Foto: Reprodução

Em 2003, Conceição Evaristo publicou o romance Ponciá Vicêncio pela Editora Mazza. A obra ganhou muito destaque, sendo selecionada para o vestibular da UFMG em 2008 e em 2009. Com narrativa não linear marcada por seguidos cortes temporais, em que passado e presente se imbricam, Ponciá Vicêncio teve boa acolhida da crítica e do público, sendo traduzida para o inglês e publicada nos Estados Unidos em 2007.

Em 2006, Conceição Evaristo publicou seu segundo romance, Becos da memória, em que trata, com o mesmo realismo poético presente no livro anterior, do drama de uma comunidade favelada em processo de remoção. Mais uma vez, o protagonismo da ação coube à figura feminina símbolo de resistência à pobreza e à discriminação.

Dois anos depois, Conceição Evaristo publicou Poemas de recordação e outros movimentos, em que mantém sua linha de denúncia da condição social dos afrodescendentes, porém inscrita num tom de sensibilidade e ternura próprios de seu lirismo, que revela um minucioso trabalho com a linguagem poética.

Em 2011, a escritora lançou o volume de contos Insubmissas lágrimas de mulheres, em que trabalhou o universo das relações de gênero num contexto social marcado pelo racismo e pelo sexismo. Em 2014, ela publicou Olhos d’água, livro finalista do Prêmio Jabuti na categoria Contos e crônicas. Dois anos depois, lança mais um volume de ficção, o Histórias de leves enganos e parecenças.

Nos últimos anos, três de seus livros, que continuam recebendo novas edições no Brasil, foram traduzidos para o francês e publicados em Paris pela editora Anacaona. Em 2017, o Itaú Cultural de São Paulo realizou a Ocupação Conceição Evaristo, contemplando aspectos da vida e da literatura da escritora. No contexto da exposição, foram produzidas as Cartas negras, retomando projeto de troca de correspondências entre escritoras negras iniciado nos anos 1990.

Em 2018, Conceição Evaristo recebeu o Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais pelo conjunto de sua obra. Em 2023, publicou Macabea, flor de mulungu, conto em que dialoga com A hora da estrela, de Clarice Lispector. Também em 2023, a autora foi agraciada com o Prêmio Intelectual do Ano, concedido pela União Brasileira de Escritores (UBE). Em 8 de março de 2024, Conceição Evaristo tomou posse como integrante da Academia Mineira de Letras, ocupando a cadeira de número 40.

Conceição Evaristo participou das celebrações do Novembro Negro da UFMG no ano passado
Conceição Evaristo participou das celebrações do Novembro Negro da UFMG no ano passado Foto: Raphaella Dias | UFMG

O título
A concessão do título pela UFMG teve início em 1928, um ano após a fundação da Universidade, com a homenagem ao jurista José Xavier Carvalho de Mendonça. Entre outros agraciados, estão o ex-presidente Juscelino Kubitschek, homenageado em 1960, o escritor José Saramago, em 1999, a física americana Mildred Spiewak Dresselhaus, em 2012, e a cantora lírica Maria Lúcia Godoy, em 2016 (veja a lista completa ao fim desta matéria).

Por diferentes motivos, alguns indicados não chegaram a recebera honrarias: o poeta Carlos Drummond de Andrade, o economista Celso Furtado, o arquiteto Oscar Niemeyer e o compositor e escritor Chico Buarque de Holanda. Além disso, em julho de 2022, o Conselho Universitário aprovou a outorga do Doutor Honoris Causa ao arquiteto e Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, e ao filósofo Daisaku Ikeda, ambos ativistas dos direitos humanos, mas as indicações perderam efeito, uma vez que os títulos não foram entregues em até um ano após a sua concessão, segundo estabelece o Regimento Geral da UFMG.

Em 29 de abril deste ano, o Conselho Universitário aprovou a concessão do título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, que faleceria logo depois. A viúva de Mujica, a senadora uruguaia Lucía Topolansky, receberá a homenagem em nome do marido em sessão solene do Conselho a ser agendada.

O Regimento Geral da UFMG dispõe que o título de Doutor Honoris Causa pode ser outorgado em reconhecimento a personalidades que prestaram relevantes contribuições para a ciência, a tecnologia ou a cultura. A concessão do título depende de proposta fundamentada, subscrita por, pelo menos, cinco membros do Conselho Universitário ou da Congregação proponente e aprovada em escrutínio secreto pelo voto de, no mínimo, dois terços dos membros de ambos os colegiados.

Doutores Honoris Causa da UFMG

- José Xavier Carvalho de Mendonça, jurista brasileiro, em 1928
- Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, bacharel em Direito, político brasileiro e ex-presidente de Minas Gerais, em 1930
- Juscelino Kubitschek de Oliveira, médico, político brasileiro e ex-presidente da República, em 1960
- Rodrigo Melo Franco de Andrade, advogado, jornalista e escritor brasileiro, em 1961
- John Van Nostrand Dorr II, geólogo estadunidense, em 1966
- Carlos Chagas Filho, médico, professor e cientista brasileiro, em 1979
- Carlos de Paula Couto, paleontologista e professor brasileiro, em 1980
- Desmond Mpilo Tutu, arcebispo sul-africano da Igreja Anglicana (Prêmio Nobel da Paz), em 1987
- Francisco Curt Lange, musicólogo teuto-uruguaio, em 1989
- José Saramago, escritor português (Prêmio Nobel de Literatura), em 1999
- Marshall David Sahlins, antropólogo estadunidense, em 2007
- Manoel de Oliveira, cineasta português, em 2009
- Mildred Spiewak Dresselhaus, física e professora estadunidense, em 2012
- José Joaquim Gomes Canotilho, jurista e professor português, em 2013
- Robert Alexy, filósofo do Direito e professor alemão, em 2014
- António Manuel Pinto do Amaral Coutinho, médico imunologista e professor português, em 2014
- Maria Lúcia Godoy, cantora lírica brasileira, em 2016
- Nelson Freire, pianista brasileiro, em 2016
- David Paul Landau, físico e professor estadunidense, em 2017
- Antônio Augusto Cançado Trindade, jurista e professor brasileiro, em 2018
- Eugenio Zaffaroni, jurista argentino, em 2023

Luana Macieira